segunda-feira, outubro 31, 2005

Nossos Warren Buffetts II

É por essas e outras que eu lamento não ter convicção suficiente para ser de esquerda. O caminho para uma vida de sucesso financeiro estaria garantido. São homens como Augusto Boal e Cony que deveriam dar palestras de motivação para executivos. A visão de longo prazo deles é uma coisa invejável, não? Eu não me espantaria se o Cony, por exemplo, fosse o verdadeiro autor da frase do Deng Xiaoping de que enriquecer é glorioso. Mas se engana quem acha que o principal ganho de ser de esquerda no Brasil é financeiro. Poucas coisas têm mais sex appeal por aqui do que um discurso progressista. Diga numa mesa de bar que a política neoliberal dos últimos anos está acabando com o país e que o governo deve destinar 150% do orçamento para educação e outros 150% para a saúde. A reação de encantamento que isso produz em grande parte das mulheres brasileiras é impressionante. Se você duvida de mim, faça o contrário. Defenda o aumento do esforço fiscal ou diga que o Brasil investe bastante em educação, mas o problema é que gasta mal. A possibilidade de você acabar a noite sozinho só não é maior do que o tamanho da indenização do Cony



quinta-feira, outubro 27, 2005

Atenção, há um farsante entre nós IV

Misteriosos são os rumos da esquerda brasileira. Deputados como Babá e senadores como Heloísa Helena se empenham há anos em defender a aposentadoria de funcionários públicos e professores universitários antes dos 50 anos. Parecem acreditar realmente que esse é o caminho mais curto para o socialismo - nada a ver com a proteção de interesse de grupos específicos, que apenas por coincidência são suas bases eleitorais. Eu realmente fico emocionado com a defesa de ideais tão altruístas, que, tenho certeza, são fundamentais para melhorar a distribuição de renda do país. Afinal, há coisa mais bonita e socialmente eficaz do que um professor universitário se aposentar antes dos 50 anos, ganhando um salário muito acima da média dos demais brasileiros?



quarta-feira, outubro 26, 2005

Atenção, há um farsante entre nós II

Há alguns anos, eu fui ao Centro Cultural São Paulo para ver uma peça. Não sei mais o que eu fui assistir, mas ocorreu algo naquele dia de que me lembro perfeitamente. Assim que cheguei ao saguão, perto da bilheteria, ouvi sons assustadores. Não consegui identificar o que era. Tentei imaginar o que produzia aqueles barulhos medonhos. Um porco sendo castrado? Algum animal guinchando para ameaçar uma possível presa? Os sons eram tão horríveis quanto esses, mas eram mais graves - e mais fanhos. Aos poucos percebi que era um show do Belchior, que cantava numa das salas do Centro Cultural. E, acreditem, o pior vocalista da MPB tinha fãs, que entoavam suas músicas com empolgação. Depois disso, não me lembro mais de ter ouvido falar em Belchior. É possível que tenha sido um dos últimos shows do cantor antes de sua transformação em Babá. E, para reforçar sua teoria, na época eu não tinha a mínima idéia de quem era o deputado. Acho que a transformação de Belchior em Babá foi um dos momentos históricos da música popular brasileira. O silêncio de Belchior é muito melodioso e agradável. Quem ouviu sabe do que estou falando



segunda-feira, outubro 24, 2005

Caspa, eu? IX

Você foi convincente, mas eu ainda não estou inteiramente convencido da existência de Roraima. Aliás, eu sempre pronunciei Rorãima, de forma anasalada. É assim que se pronuncia? E, se Roraima realmente existir, será que não dá para vender o estado para algum país vizinho? Acho que esse poderia ser o tema de um novo referendo. A consulta aos cidadãos poderia incluir também uma sugestão de uma amiga minha: devolver o Acre para a Bolívia. Chico Mendes seria um herói boliviano, mas Hildebrando Paschoal deixaria de ser um deputado brasileiro com o estranho hábito de serrar pessoas. Será que a troca valeria a pena?



sexta-feira, outubro 21, 2005

Caspa, eu? VII

O Nordeste é realmente um mundo de surpresas. Em minha viagem por lá, eu também passei pelo Piauí, o lugar mais quente em que jamais estive. Confesso que na minha adolescência eu duvidei da existência do Piauí, mas pude atestar que o estado não é uma invenção para separar o Maranhão do Ceará, como um amigo meu insinuava. Eu fiquei dois dias em Parnaíba, e foi o suficiente para perceber que o piauiense é um herói. Manter-se vivo num calor daqueles é uma tarefa sobre-humana. Após algumas horas em Parnaíba, eu não tinha vontade de fazer nada. Tomar um copo de água demandava um esforço enorme. Percebi, emocionado, que o desenvolvimento econômico do Piauí é elevadíssimo para quem enfrenta aquelas condições climáticas. Se eu morasse por lá, ficaria deitado o dia inteiro. E eu estive em Parnaíba, uma cidade com um clima aprazível para os padrões piauienses, devido à existência do rio. No interior do estado, dizem, o calor é ainda maior, algo que não consigo conceber
PS: O Piauí existe, mas eu tenho certeza de que pelo menos Roraima é uma invenção



quinta-feira, outubro 20, 2005

Caspa, eu? V

Eu fui à Jericoacoara no verão, e fiquei realmente assustado com a quantidade de moscas. Percebi que elas dominam o local. A idéia de que os humanos as toleram é errada; as moscas é que nos toleram. Nas duas primeiras refeições, eu tentava de todas as formas mantê-las longe da comida. Vi rapidamente que isso era impossível; como você, me contentava em não engoli-las, no que fui relativamente bem sucedido. Além disso, os esforços para impedir que as moscas pousassem no prato eram desperdício de tempo: para que tentar afastá-las se com certeza muitas outras haviam freqüentado a comida quando o cozinheiro a preparava? Mas Jericoacoara é uma praia bonita, você está certo. A questão é que tem os problemas de toda praia. Quando eu era criança, imaginei duas medidas de aperfeiçoamento. A primeira seria substituir a areia por azulejos. Não ficaria mais confortável e menos sujo? A outra seria tirar o sal da água. Por alguns momentos, achei que tinha tido uma idéia revolucionária. Mas o deslumbramento durou pouco. Eu logo percebi que tinha inventado a piscina



quarta-feira, outubro 19, 2005

Caspa, eu? III

Uma análise cuidadosa mostra que a campanha de difamação da punheta teve seu primeiro golpe com a descoberta da cura da tuberculose. A ameaça sempre presente da doença deve ter atormentado muito o punheteiro do fim do século 19 e começo do século 20. Numa época em que o sujeito morria de tuberculose com 21 ou 22 anos, quantos adolescentes não devem ter ficado com a certeza de que fazer justiça com as próprias mãos causava o mal do século? Com a descoberta da cura, o moleque podia se masturbar mais tranqüilo. Ainda que a punheta levasse inevitavelmente à doença, ele se safaria da morte, tendo de conviver com riscos mais administráveis, como a ameaça do crescimento de peitos e o surgimento de pêlos na mão, até onde eu saiba fenômenos não comprovados, não?



quinta-feira, outubro 13, 2005

Caspa, eu?

Há alguns meses, eu constatei um fenômeno estranho: a extinção da caspa. Fiquei meio sem saber o que fazer com tão impressionante descoberta. Em primeiro lugar, fiz questão de me certificar de que não era uma conclusão precipitada. Passei a observar com atenção os cabelos de pessoas no trabalho, na rua, no ônibus, no metrô, no teatro e no cinema. Nesse período, eu vi penteados ridículos, carecas vergonhosas, cabelos ensebados, madeixas mal cortadas, mas não encontrei nenhuma cabeleira tomada pela caspa. Quando eu era moleque, no fim dos anos 70, um amigo de meu pai me impressionava por sua altura e, principalmente, pela caspa: ele vestia sempre um terno preto, coberto nos ombros por uma crosta branca. Nunca o vi com outro terno; nunca o vi sem caspa. Era um homem mítico em minha infância. É claro que ele não era o único que tinha caspa. Era apenas o exemplo mais gritante. Nos últimos anos, porém, figuras como esse amigo do meu pai foram escasseando. Os antes freqüentes anúncios de xampu anticaspa também sumiram da televisão. Parece que a caspa saiu de moda nos últimos anos. Teve seu auge nos anos 70, assim como a calça boca de sino. Aos poucos, ficou demodé. Eu tenho quase certeza de que nós vivemos num mundo sem caspa. Eu confesso que desconheço os motivos que levaram à extinção da caspa. O que isso significa? Eu não sei. O mundo sem caspa é um mundo melhor? Eu também não sei. Deixo com vocês apenas a constatação de que ela não participa mais de nossas vidas. E aproveito para fazer uma pergunta: será que a seborréia - a palavra mais feia da língua portuguesa - também teve o mesmo destino?



quarta-feira, outubro 12, 2005

Zuenirismo e seus descontentes IV

Em São Paulo, a esquerda festiva - o zuenirismo não me parece outra coisa - não tem essa sede de integração social, eu me arriscaria a dizer. Se no Rio a festa na Mangueira atrai o escritor revelação, o cantor de MPB e o ator da Globo para o morro, por aqui a elite não mostra o mesmo interesse em se misturar com o cantor de hip hop do Capão Redondo. Quem vai à Vila Madalena pode até achar bonito a idéia de confraternizar com o sambista e o traficante, mas não está disposto a colocá-la em prática. A única celebridade paulista que eu me lembro de ter freqüentado a favela foi o seu ídolo Eduardo Suplicy, o forrest gump do Congresso, o inimputável dos Jardins, o dr. Pangloss tropical. Há alguns anos, ele foi dormir umas noites em Heliópolis, no que não foi acompanhado pela ex-mulher Marta Suplicy - e não acho que seja possível culpá-la por essa decisão, que me pareceu sábia. Eu havia dito que não havia um zuenir paulista, mas, pensando bem, Suplicy talvez seja exatamente isso. Quem dorme na favela e no acampamento dos sem terra no fundo está buscando essa integração que não integra, não? Sua defesa dos seqüestradores de Abílio Diniz também me cheira a zuenirismo. Mas Suplicy pode ser divertido. Ou não é engraçado um sujeito cantar Blowin' in the wind na tribuna do senado, com voz sofrível e em inglês ruim? Será que cada cidade tem o zuenir que merece?



segunda-feira, outubro 10, 2005

Zuenirismo e seus descontentes II

Eu pensei por um bom tempo se há um zuenir paulista ou um zuenirismo paulista, e cheguei à conclusão que não há um espelho perfeito. Sem recorrer a simplificações e generalizações bairristas, me parece um fenômeno tipicamente carioca. Apesar disso, eu ousaria dizer que é um estado de espírito com repercussões sobre toda elite intelectual do país. Não seria zuenirismo se indignar com a distribuição de renda do país na mesa do bar, mas defender com unhas e dentes a aposentadoria de professores universitários antes dos 50 anos? O discurso zuenirista, no fundo, pode ser resumido na frase surrada do personagem de Lampedusa: é preciso que tudo mude, para que tudo continue como está



quinta-feira, outubro 06, 2005

O bispo em greve de fome V

É incrível. O bispo está ganhando a briga com o governo. Não nocauteou Lula, mas já conseguiu que o governo adiasse o começo da obra. A estratégia, explicitamente chantagista, deveria ser ignorada se há realmente a convicção de que a obra é importante. Em vez de rechaçar a ameaça, Lula envia um ministro para conversar com o bispo. Mas como dialogar com um sujeito em greve de fome que jogou a responsabilidade sobre seu destino nos ombros do presidente? Quem é autoritário não deve ser tratado de forma democrática. Mas estou esperando uma atitude de estadista de Lula. Como dizia o barão de Itararé, de onde menos se espera é que não sai nada mesmo.



segunda-feira, outubro 03, 2005

O bispo em greve de fome III

O governo não deve dar a mínima para o bispo, mas você sabe que o brasileiro, um sentimental por natureza, se emociona com esse tipo de chantagem. Nas conversas que eu ouvi sobre o assunto, muita gente que nunca se preocupou com a transposição do São Francisco começou a dizer que o projeto é um absurdo e que o governo deve fazer alguma coisa em relação ao bispo. É o fim que dêem tanta importância à opinião de um religioso sobre um assunto complexo e técnico como esse. Mas, como o bispo dá palpite sobre a transposição do São Francisco sem ser especialista no assunto, eu também vou meter o bedelho num assunto religioso mesmo sendo leigo. Até onde eu sei, o suicídio é um pecado para a igreja católica. Como o bispo está se suicidando de forma lenta, gradual e segura, não caberia um processo de excomunhão? A CNBB poderia tomar uma providência



O bispo em greve de fome

Não há assunto mais chato do que a transposição do São Francisco. Eu já tentei ler algumas reportagens sobre o assunto, mas é tudo tão entediante que não consegui terminar a maior parte delas. Pelo pouco que sei, parece haver argumentos razoáveis tanto a favor como contra o projeto. Não me parece um absurdo fazer a obra, como também não parece um absurdo não fazer. Mas surge então um bispo que decidiu se tornar mártir. Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra, na Bahia, está desde 26 de setembro em greve de fome contra a transposição do São Francisco. A medida me parece um pouco radical demais; ele é contra a obra, vive na região há muito tempo, ok, mas entrar em greve de fome? Bom, cada um protesta como quer. O que não pode é o governo mudar de opinião por causa disso. Lula já fez demais ao enviar a carta ao bispo. Deveria ter ignorado. O bispo também parece ter errado o timing: se era para entrar em greve de fome, que o fizesse logo depois do anúncio de que o projeto seria iniciado. E veja que coisa chata: o bispo faz aniversário amanhã. Como está em greve de fome, não vai poder nem comer um bolinho



Autores

* Marcos Matamoros
* F. Arranhaponte


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