sábado, fevereiro 18, 2006

Esses artistas plásticos brasileiros e suas obras de arte maravilhosas


Ninguém com o mínimo de bom senso pode negar que o Brasil tem intelectuais de peso, como Marilena Chauí, Emir Sader e Olavo de Carvalho. Se eles escrevessem numa língua menos desconhecida que a inculta e bela, com certeza teriam reputação internacional. Mas, se nós já tratamos dessas figuras de proa da cultura nacional por aqui, reconheço que temos deixado em segundo plano outros gênios da raça: os artistas plásticos, que tão bem refletem a criatividade do povo brasileiro. Um dos melhores é, sem dúvida, Nuno Ramos.
A Folha de hoje traz uma entrevista com o gênio, que vai ocupar três salas do Instituto Tomie Ohtake com suas obras. Eu não vi, mas já gostei. Uma delas é uma instalação (sim, ele faz instalações), que, segundo a reportagem, consiste num "ambiente no qual três jumentos carregam caixas de som entre recipientes com água e montes de feno e de sal. Ouve-se a música 'Se Todos Fossem Iguais a Você', de Tom e Vinicius."
Perspicaz como poucos, o autor da entrevista não perdeu tempo e logo de cara lançou a pergunta que não podia ficar sem resposta: Como surgiu a idéia de fazer um ambiente usando burros? Nuno não se faz de rogado, e conta tudo: "Esse trabalho, chamado 'Vai, Vai', partiu das caixas de som cobertas por três materiais: sal, água e feno, idéia que vem talvez de um filme que fiz em homenagem a Nelson Cavaquinho, em que caixas de som eram enterradas e postas para tocar sob a terra. A novidade dos burricos é criar um sistema de vivência, com sua duração e literalidade, mas que estivesse pondo materiais e palavras em comunicação. Cada material tem uma voz, e os animais, carregando caixas de som e vivendo dos materiais cujas vozes eles carregam, promovem uma mistura, meio pachorrenta e estranha, entre matéria e sentido."
Observem a genialidade do artista plástico. Para mostrar que não é um homem de certezas absolutas, diz que a idéia talvez tenha nascido de um filme feito por ele. Perceberam? Nem mesmo Nuno sabe de onde veio a inspiração para uma instalação tão brilhante como Vai, vai. Eu só não gostei muito de seu excesso de didatismo. Afinal, eu tenho certeza que qualquer um chegaria sem ajuda à conclusão de que os burros estão lá para promover "uma mistura, meio pachorrenta e estranha, entre matéria e sentido".
Quando li essa resposta, achei que fosse o ponto alto da entrevista. Eu estava enganado. Há outros trechos que merecem no mínimo o mesmo destaque. O interessante é que o entrevistador mostrou estar à altura do entrevistado, como ao perguntar se Nuno "está ficando mais enxuto e econômico formalmente". O artista dá uma resposta não menos genial: "Não sei se enxuto ou econômico, que não são características muito minhas, mas espero que caminhe para algo formalmente mais poderoso. Isso é uma noção que nosso tempo parece ter perdido: a do poder da forma. O vocabulário formal é uma catapulta poderosa que lança a obra para além do controle social. Acho que a gente vive uma época extremamente controladora, e o pior é que aquilo que nos controla tem ótimos valores (ecologia, minorias étnicas etc.). Assim, há muita arte hoje de cabeça baixa, tratando com imediatismo as questões de nosso tempo. O repertório formal, longe de ser alienante, dá fôlego e imensidão ao querer da arte. Não conheço nada mais ambicioso do que as verticais, horizontais e cores puras de Mondrian."
Depois dessa aula de inteligência e brilhantismo, tomei uma decisão: vou ligar para a Sociedade Protetora dos Animais e denunciar o tratamento a que os burros estão sendo submetidos. Carregar peso o dia inteiro tudo bem, mas fazer parte de instalação de artista plástico brasileiro é demais
(Procurei uma foto de um dos burros para ilustrar o post, mas só achei essa daí do Nuno Ramos. Estava em dúvida se publicava ou não, mas percebi que não haveria muita diferença. Espero apenas que os burros não fiquem ofendidos com a comparação)



5 Comments:

  • Já o que mais me impressionou nessa palhaçada toda é a barra da camisa convenientemente mal dobrada, denotando assim, como direi, um certo desleixo que todos nós, inclusive ele, sabemos que é proposital. É mais ou menos como o t dobrado do apelido Betto, se é que vcs me entendem.

    []s

    By Anonymous Anônimo, at 2:38 PM  


  • Eu me lembrei imediatamente de uma das tirinhas daquela série "Duas coisas que eu odeio e uma que eu adoro", do Angeli. Uma das que ele odiava era "artista plástico tentando teorizar" ("porque o plástico, o gestual, a mão solta blablablá..."). "Sistema de vivência" e "o querer da arte", putaqueopariu.

    By Blogger Rogério/Ruy, at 2:27 PM  


  • Vi no Estadão de hoje a melhor definição da instalação: "burricos que passeiam livremente por uma das salas do Instituto carregando no lombo caixas de som e que, na reprodução de seu ciclo natural, criam a obra." Nunca vi alguém chamar uma exposição de m**** com tanta delicadeza...

    By Blogger mauro, at 2:28 PM  


  • E a profundidade do tropicalismo nunca morre... Nossa, não vou falar nada do maldito artista ou de sua pretensão em criar algo inspirado na sua própria genialidade anterior à qual só ele teve acesso.

    Mas a coisa foi toda muito bem feita. Com certeza, o editor estava com raiva do repórter que pautou para a matéria. Esse tipo de pergunta do "como surgiu a idéia?" é daquelas que a gente aprende que servem para tudo na faculdade de Jornalismo. Pense nisso. Qualquer que seja o assunto, de um ato terrorista à morte de um ente querido na enchente. Brilhante, ou inexperiente, o repórter, que demonstrou sua insatisfação ao usar essa pergunta-chavão com tanta classe para mais um artista moderno-chavão que se acha brilhante ao jogar coisas soltas, num estilo que, se eu fizesse, ia ser chamado de Naife.

    Artistas modernos em geral são idiotas burgueses com algum acesso à mídia ou a algum bom promotor, que fazem os caras parecerem brilhantes na Ilustrada ou na Oca do Ibirapuera. É mera questão de sorte. Deles. Não nossa.

    By Anonymous Anônimo, at 8:25 PM  


  • Nelson,
    Bem observado, a camisa meio por fora meio por dentro da calça é um desleixo calculado. Ou talvez ele tenha dificuldade em colocar a camisa para dentro com as patas :)

    Ruy,
    Acho que apenas "artista que faz instalação" usa termos como "sistema de vivência", não? Acredito que o Vermeer não dizia isso em suas entrevistas para a Folha de Delft :)

    Mauro,
    O cara do Estado foi ao ponto, de forma sutil

    Federico,
    Eu não coloquei no post, mas o autor da entrevista é o editor da Ilustrada. As coisas ficam ainda piores, não?

    By Blogger Marcos Matamoros, at 1:50 PM  


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