segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Pain avec merde*

Ouvir funk é o hype do momento nos lugares descolados de São Paulo. Modernos e modernas que moram nos Jardins e provavelmente nunca foram à periferia paulistana dançam ao som da música feita por faveladas cariocas semianalfabetas. Quem sabe isso não é a prova de que a mobilidade social existe no país?
O que mais me emociona no funk é a qualidade das letras. Deize Tigrona é a Elizabeth Bishop brasileira. Eu sempre achei que letra de música não pode ser considerada poesia, mas mudei de idéia depois de ouvir trechos do funk Injeção:

“Injeção dói quando fura
Arranha quando entra
Doutor, assim não dá,
Minha poupança não agüenta

Tá ardendo,
Mas tô agüentando
Arranhando,
Mas tô agüentando”

Em entrevista à Folha, Deize mostra o rico e insuspeito diálogo entre o axé e o funk, que rendeu bons frutos. “Claro que o jeito que as meninas do funk dançam tem a ver com o rebolado da Carla Perez”, explicou ela, que vai fazer temporada em março no Rose Bom Bom, casa noturna paulistana. Tati Quebra Barraco também está sempre em São Paulo. Nos dez primeiros dias de fevereiro, fez oito shows, dos quais seis em São Paulo. Daqui a pouco, vai perder o sotaque carioca.
Um amigo meu dizia que o povo gosta de pão com merda, e de preferência com pouco pão. A frase sempre me pareceu irrefutável. Mas episódios como o sucesso do funk carioca entre os descolados de São Paulo evidenciam que é um erro restringir ao povo o gosto pela iguaria. O pain avec merde tem fãs em todas classes

* Este post se chamava originalmente Pain au merde, o que está errado. Como entendo de francês tanto quanto o Lula de português, eu prometo que não vou mais me meter a fazer gracinhas na língua do Proust, aquele escritor caubói que era piloto de Fórmula 1 e gostava de brigar com o Senna



9 Comments:

  • Pain au merde não se restringe só à música popular. Afinal de contas, escutar funk ou Sonic Youth pra se achar na moda não deixa de ser la créme de la créme...

    []s

    PS = Só eu aqui? Francamente, mal frequentado este blog. :_

    By Anonymous Anônimo, at 6:48 PM  


  • Por algum motivo que nunca consegui explicar a mim, muito menos à minha acompanhante, fui ver o documentário "Sou feia, mas tô na moda", de Denise Garcia. No filme, que mostra a história do funk carioca, ela defende essa tese de que a pornografia no funk decorre da liberalização iniciada pelo axé. Aliás, é erotização, não pornografia, segundo eufemismo de alguns lá citados. O fato de haver precedente, não ameniza a desgraça, acho eu. Entre vários temas, um chamou minha atenção no filme. Alguém diz lá que o funk não deu certo quando tentou evoluir para se comunicar com o mundo fora das favelas ("eu só quero é ser feliz e andar tranqüilamente na favela onde eu nasci"), mas, ao contrário, conseguiu muito sucesso quando desistiu de avançar em termos musicais ("é som de preto, de favelado..."). Infelizmente, a tática da conquista pela apelação mais uma vez funcionou. É a verificação empírica do pain au merde. Para completar, é impressionante a habilidade da diretora em encontrar críticos nacionais e internacionais que valorizem aquele som. Esse é o grande destaque do documentário.

    By Anonymous Anônimo, at 7:27 PM  


  • Fernando,
    Você está certo, o pain au merde está longe de ser algo restrito à música popular. O alcance do fenômeno é muito maior
    Um abraço,
    Marcos

    By Blogger Marcos Matamoros, at 8:55 PM  


  • Dan,
    Sempre haverá críticos dispostos a ver qualidade em qualquer manifestação cultural feita pelo "povo". Essa paixão por tudo que cheira à cultura popular explica como um lixo como Racionais MCs são elogiados pela "crueza de suas letras viscerais". É tudo pain au merde
    Um abraço,
    Marcos

    By Blogger Marcos Matamoros, at 9:03 PM  


  • Eu acho que a 'merde', especificamente, não é privilégio nem da música nem do Brasil. Existe no mundo todo e sempre tem quem goste. Mas que por aqui o povo exagera, lá isso é.

    By Blogger Mr. Teeth, at 10:37 AM  


  • Não sei não. Na França, o comediante Jerry Lewis é considerado um gênio. Na Alemanha, idolatram o ator-cantor-canastrão David Hasselhoff. Nos EUA só se fala em Angelina Jolie, Brad Pitt e Jennifer Aniston. E nem me fale sobre arte moderna e suas malditas "instalações". Como se diz aqui nos states: "people really like shit on a stick".

    []s

    By Anonymous Anônimo, at 12:22 PM  


  • Peraí! Sim, vamos ser críticos. Mas falar mal da Angelina Jolie, acho que já é exagero. Só se vc estiver falando dela como atriz...

    By Anonymous Anônimo, at 6:40 PM  


  • Meus senhores...
    A preferencia do funk carioca nas altas rodas de Sao Paulo é apenas consequencia ultima da contracultura. Provemos que somos brasileiros, sejamos otimistas e comecemos a analisar o fenomeno com boa vontade de Gilberto Freyre....

    By Blogger Edo, at 6:56 PM  


  • Pô, num país onde o Roberto Carlos é chamado de rei, e tem um monte de críticos que "analisam" suas músicas, vcs querem o quê?

    []s

    By Anonymous Anônimo, at 9:45 AM  


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